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Quiabo, quando o instinto fala mais alto

Foto: Can Stock Photo

Articulista

Jonas Santana

Quiabo!!  Nome esquisito para um goleiro. Porque não Manga, Cantarelli, Tafarel (famoso pelas defesas milagrosas, pelo bordão de certo comentarista e pela conquista da Copa de 1994) ou mesmo Tafa-Rai (alcunha atribuída pelos colegas da academia de futebol que ele freqüentava)?  Mas a galera insistia no apelido, uma forma reduzida, mas nada carinhosa de elogiar o arqueiro, para não o chamar de “mão-de-quiabo”.    

Na tradição da pelada o escolhido para defender a meta era sempre aquele que não sabia jogar “na linha”, mas no caso de Quiabo era diferente, era uma verdadeira paixão pelo arco.  Embora fosse talentoso com os pés, ele não abria mão de mostrar suas habilidades debaixo das traves, o que fazia com bastante maestria desde que a bola não estivesse molhada. Nestas horas, ele fazia jus ao apelido gritado em coro pelos torcedores, às vezes pró, às vezes contra, dos diversos times que nosso herói das traves defendia. E quando fazia uma defesa mais portentosa, nosso goleiro sempre dava um berro de vitória, por ter mais uma vez neutralizado um ataque do adversário.

Ser goleiro era algo que ninguém queria e invariavelmente significava ficar de fora da diversão, por isso quando alguém era escalado para o gol, o fazia com certa relutância aceitando a ingrata missão de defender sua cidadela, desde que “tomou um gol ou o time fez gol o goleiro vai pra linha”. Muitas vezes a regra era quebrada e culminava em confusão, porque ninguém queria sair do campo de batalha para ficar “embaixo das traves” tomando boladas. Mas também havia aqueles que faziam questão de “ir para o gol”, seja por vocação ou por imposição, havendo ainda aqueles que abraçavam o ofício pela falta de concorrência (ninguém queria estar no gol no momento dos chutes de Dirran, de Zé Rosca ou do próprio Vevé).

“Pra ser goleiro tem que ter coragem”, dizia sempre Quiabo, quando alguém perguntava o porquê de tal função.  Era no gol que ele se realizava. Principalmente, quando ia jogar no interior, sentindo o calor da torcida naqueles campinhos apertados, com todo mundo em volta ou no estádio da cidade, E nosso amigo, magrelo e comprido, sempre com a camisa vermelha e a calça preta fazia suas artes no campo.

Nem de longe se incomodava quando lhe faziam apupos após uma defesa. Para Quiabo, cada jogo era uma batalha e cada defesa era uma realização pessoal. E num desses jogos de fim de semana que, aflorou uma situação um tanto quanto atípica nas hostes futebolísticas

Dir-se-ia que o jogo estava a mil, com os ânimos mais acirrados que decisão de campeonato de várzea na disputa por pênaltis.  A bola parecia uma abelha ziguezagueando por todo o campo, não parando no pé de nenhum dos dois elencos e sequer chegando à meta do nosso arqueiro.  Eis que de repente surge um escanteio e, almejando transpor a meta adversária, Quiabo dispara em louca corrida para a área esperando o lançamento para quem sabe, alçar o tiro ou cabeçada fatal e decretar a vitória.

Assim disse o narrador: “corre Zé Rosca para a bola, solta-lhe o petardo e ela vem girando feito um pião para a meta e vem em direção a Quiabo que… Incrível defesa de Quiabo!!! Incrível, senhores!!”!

Quiabo, o grande arqueiro que tinha saído de sua meta para cabecear não resistiu àquela bola descendo em sua direção e, obedecendo ao seu instinto de goleiro, literalmente voou na pelota, realizando uma estupenda defesa. Só que do lado contrário, o que lhe valeu um cartão amarelo e vários dias sem poder freqüentar as ruas do bairro, por conta da alegria de seus confrades, que por conta deles perderam o jogo.

Mas ele não se deu por vencido, e ainda desfilou seu talento por longos anos, até se aposentar depois de escorregar num prato de caruru e ficar seriamente machucado.

Dizem, que ele até hoje não come o referido legume.

Jonas Santana Filho

Gestor e consultor esportivo, escritor, professor, funcionário público e amante do futebol jonassan40@gmail.com

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