Da redação do Sports Manaus, com informações – Marcelo Gomes –
Foto: Marcelo Gomes/ESPN.com.br
Assim como o irmão Edson Arantes, ou Dico como o chamava, Maria Lúcia Nascimento tem aversão a qualquer cerimônia fúnebre. Quando morreu Pelé, há exatamente um ano, ela não compareceu nem ao velório, nem ao enterro do familiar mais famoso que uma pessoa poderia ter nesta vida.
O próprio Rei do Futebol chegou a ser criticado por não ter aparecido para o último adeus a grandes companheiros de Santos, como do grande parceiro Coutinho, por exemplo. Mas Pelé não foi nem mesmo ao enterro do próprio pai, Dondinho.
É um trauma que o maior jogador da história adquiriu ainda na infância, quando certa vez viu um avião de pequeno porte cair em Bauru, cidade onde cresceu. Curioso, o pequeno foi lá com alguns amigos ver de perto a cena e nunca esqueceu a imagem de corpos queimados em meio aos destroços. Ali Edson prometeu que nunca mais queria ver um cadáver de perto.
Além da irmã caçula, única filha viva dos três que tiveram Dondinho e Dona Celeste, Pelé compartilhava essa “mania” de distância de velórios e cemitérios com Pepito, seu assessor e grande amigo. Eles levavam esse compromisso tão a sério que, em uma conversa informal, decidiram que não compareceriam no enterro de quem morresse primeiro.
Promessa feita e cumprida, já que, quando Pelé morreu em 29 de dezembro de 2022, Pepito, apesar do companheirismo de três décadas com o Rei, deu graças a Deus por estar em férias com a família fora do Brasil, em Porto Rico.
Esse contexto é importante para entender minha proposta a Lucinha para esta data de um ano sem Pelé: levá-la ao cemitério Memorial, onde o irmão foi sepultado. Ao telefone, a irmã do Rei deu uma aula de sabedoria.
“Olha, Marcelo, eu não vou a cemitério. Só fui quando meu pai morreu porque não tinha jeito. Eu não vou lá visitar o Dico (Pelé) e o meu pai, porque eu tenho certeza que, se existe um lugar onde eles não estão, é exatamente no cemitério. Ali não existe nada, eles não estão ali, portanto, o que vou fazer lá?”, iniciou ela.
“Aliás, gostaria de aproveitar para pedir que deixem o meu irmão em paz. Ele fez tudo que poderia fazer aqui na terra, não fez? Peço para que vocês, imprensa, olhem para aqueles (ex-jogadores) que estão vivos, aqueles que passam por dificuldade financeira, para que vocês façam homenagem para eles em vida. O Pelé sempre disse isso: se alguém quiser fazer uma homenagem para mim, que façam em vida, porque depois que a gente morre, para ele, as homenagens não fazem sentido”, seguiu.
“Eu, a pedido do meu irmão e por minha convicção, acredito que não adianta fazer mais nada para ele, pois, por aqui, ele não está mais. Tem tanto craque que o Brasil esqueceu, que a imprensa não fala mais. Olhem por esses caras que estão vivos. É o que peço, mais uma vez”, completou a única irmã viva de Pelé.
Lucinha, há um ano sem Pelé
Desde o dia 29 de dezembro de 2022, pouca coisa mudou na vida da irmã mais nova de Pelé. Apesar de baixinha, com 1,56m, Maria Lúcia é uma leoa no dia a dia. Acorda cedo para cuidar, praticamente em tempo integral, da mãe Dona Celeste, 101 anos, vítima do terrível Alzheimer e que depende da filha há quatro anos desde a alimentação, por sonda, aos cuidados com remédios e higiene pessoal.
Ela conta vez ou outra com uma cuidadora, vez ou outra com um fisioterapeuta e quase sempre com a cunhada Giza Arantes, viúva de Jair, o Zoca, falecido há dois anos vítima de um câncer na próstata.
Lucinha faz das tripas coração para que sua mãe tenha o mínimo de qualidade de vida e o máximo carinho, já que ainda mesmo aos 79 anos ainda faz os serviços domésticos do sobrado onde mora, próximo a canal 6, a cerca de 50 metros da praia de Santos.
Além da mãe, Lúcia também cuida do marido aposentado, Davi Benedito Magalhães, um ex-jogador com passagens por Santos, Corinthians, Grêmio, Cruzeiro, Portuguesa Santista, entre outros.
Hoje, ela só tem tempo e olhar para cuidar da “Rainha” da família real e mais nada, e é o que faz com que ela dispense entrevistas para falar do irmão Rei. Lucia prefere combater a memória curta de muitos e ficar com as lembranças de Pelé, com lucidez ímpar para responder como está a vida um ano depois da morte do irmão – que era quem realmente dividia com ela a responsabilidade de cuidar, financeiramente e presencialmente, da mãe Celeste.
“Nós estamos levando a vida, com a dificuldade que toda família brasileira tem, nós estamos levando. Às vezes, quando saio rápido para comprar um remédio para a mãe, as pessoas vêm me abraçar na rua e, para dizer a verdade, são nesses momentos que eu vejo o quanto as pessoas adoravam o meu irmão. Acho que elas vêm me abraçar para sentir um pouquinho do Dico e isso, desde a morte dele, tem me deixado muito emocionada”, conta.
“Mas a gente tem que tocar a nossa missão aqui na terra. Estou cuidando da mãe, e você sabe, a missãozinha dela não é fácil, mas a gente faz com muito carinho. Já com relação ao Pelé, não precisa fazer mais nada por ele. As pessoas guardam no coração o que ele fez aqui enquanto esteve entre nós. Precisamos ajudar quem está vivo e deixá-lo descansar em paz, afinal ele merece.”
“Ah, e desculpe por não atender o seu pedido, pois como você sabe eu não gosto de cemitério, não tenho nada para fazer lá. O meu amor e dedicação estão aqui no segundo andar de casa, a vivíssima Dona Celeste, essa sim, precisa de cuidados e não pode ser esquecida”, finalizou Lucinha.