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Articulista
Jonas Santana
A galera o conhecia por Nêrroda e, para os mais chegados, Rodinha. O primeiro apelido era por conta de jogar na mesma posição do atacante e capitão da seleção tcheca de 1982, Zdenek Nehoda. O segundo por conta de ser uma distorção bem-humorada do primeiro, e também por que nosso astro gostava muito de inhame ao ponto de pedir “rodinhas” da iguaria. Aí suprimiram o tubérculo e conhecido o episódio das rodinhas já viu: caiu na boca da galera, já era!!!
O apelido de Nêrroda era mais que uma homenagem ao tcheco. O brasileiro representava o avesso do estrangeiro. O original, branco, forte, um metro e oitenta um de puro músculo. O nosso o inverso; preto, magrelo, desnutrido e com cerca de um metro e sessenta ou menos. Dizia-se que ele era tão magro que se desse um vento mais forte o carregaria. Dizem até que, o treinador evitava de colocá-lo jogando contra o vento de tão magro que era. Mas nosso craque fazia gols de todo jeito, daí a justa consagração do artilheiro.
Nas peladas, quando juntava num mesmo time o incansável Dirran, o lépido Vevé, com a devida assistência de Zé Rosca e a segurança garantida lá atrás pelo goleiro Quiabo e pela dupla de zaga Lila e Todo-Duro, não tinha para time nenhum. Era o refrigerante garantido no domingo. E a coisa ficava melhor ainda quando Pedro Preto não estava de serviço (era porteiro de edifício e trabalhava por escala), porque o time jogava por música. O maestro Vevé comandando a meia cancha e o time sapecando os adversários. Menos de três gols era quase derrota para eles, e não tinha jogo em que Nêrroda não deixasse sua marca.
Muitos diziam que nosso craque era sortudo, mas qual centroavante que, não é? Certa feita, Nêrroda estava tão inspirado que parecia atrair a bola, fazendo gol até sem querer, quando ela batia nele. Antes de Renato (o gaúcho), nosso astro já tinha feito gols de “barriga”, escorando (casualmente) um lançamento vindo da direita feito por Zé Rosca.
Nêrroda, também tinha esse nome por ser duro no traquejo com a pelota. Dir-se-ia que ele era oportunista (no bom sentido) do futebol. Também era raçudo, embora seu porte físico não ajudasse muito. Diante de zagueiros mais robustos (tipo Lila ou Todo- Duro), o nosso craque não se intimidava, mas preferia “recuar estrategicamente“, evitando o confronto direto, tornando-se o elemento surpresa como ele mesmo dizia. E tão surpreendente quanto seus gols quase sempre inusitados, era o carisma que ele tinha com a torcida. Isso o levou inclusive à Seleção do município.
Quanto a sua capacidade de fazer gols ninguém duvidava, pois quando ele não chutava, chutavam a bola nele a danada ia direto para a meta adversária, sem chances para o arqueiro.
Contam que certa feita o nosso jogador escorregou e a bola vinda rasteira bateu em sua canela e desviando sua trajetória foi certinha no gol. Mas esse não foi o gol mais inusitado da sua carreira. O lance mais bizarro que resultou em tento foi assim:
Jogo empacado, truncado, mesmo com a superioridade da sua equipe, Nêrroda não se chegava na área, porque lá estava nada mais nada menos que Orlando Touro (o nome já diz), o zagueiro truculento, esparadrapo no joelho, bigodinho fino, idem canela, mas que diziam ter titânio. Ele era famoso por tirar atacantes de campo. O cara vinha, sassaricava e pimba!! Batia no Touro e acabou o jogo.
E quis o destino que nosso craque disputasse uma bola com ele, o que resultou em Nerroda no chão e o Touro bufando perto dele, dizendo que era ‘manha’. Mas nem seu Osvaldo da farmácia (o juiz na ocasião), e nem o roxo na canela de nosso astro concordavam. E polêmica aqui e acolá, é marcado o pênalti. Orlando ficou mais possesso ainda e prometendo revanche. Nêrroda demorou a levantar, mas assim que o fez colocou a pelota embaixo do braço e se encaminhou para a marca fatal.
Um fato que cabe registrar é que nosso atleta estava com uma chuteira que não era sua, tomada emprestada de Marcelino (colega do bairro), cujo pé era só dois números a mais, o que dificultava o chute do artilheiro. Mas Nêrroda queira bater o pênalti, embora soubesse que a barreira a ser vencida se chamava Zarôio – famoso pelas suas defesas de mão trocada, bem como a “instalação” (conforme a molecada da época).
Assim, bola na marca e Nêrroda, tomando distância de quase um maratonista, chuteira quase que folgada, assim que ouve o apito do árbitro, corre e dispara o petardo e vê o arqueiro realizando a defesa, ao mesmo tempo, em que a torcida grita “gol”. Sem entender nada, ele olha para o gol e vê a bola suavemente descansando num canto e sua chuteira nas mãos do goleiro.
No seu chute, a chuteira voara em direção ao gol e Zarôio, trocando as “estações” foi nela para fazer a defesa.
Validado o gol, restou ao nosso atleta somente comemorar mais um tento para sua coleção, diante de uma equipe atônita com o tento inusitado e a vitória da sorte.
Jonas Santana Filho, gestor esportivo, escritor e funcionário público, além de sser apaixonado e estudioso do futebol.
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